A MARATONISTA DO SERTÃO
Representante baiana na maratona começou a correr aos 25 anos para derrotar a bulimia e a anorexia. Agora está nas Olimpíadas
O atletismo salvou a vida de Graciete Moreira Carneiro Santana. Ela começou a correr aos 25 anos, por orientação médica, para lutar contra a bulimima (distúrbio alimentar caracterizado por episódios de alimentação compulsiva, seguidos de métodos compensatórios e inadequados para evitar ganho de peso) e anorexia (transtorno que provoca uma perda de peso acima do que é considerado saudável e pode levar à morte). Dona Maria de Lourdes, mãe de Graciete, já estava desesperada quando a filha começou a fazer caminhadas e, pouco tempo depois, passou a corridas de 3 km e 5 km.
Graciete encarou a prática esportiva como essencial para sua sobrevivência. A partir daí vieram conquistas, consideradas improváveis para uma sertaneja nascida na pequena cidade de Serra Preta, no semiárido baiano, a 47 km de distância de Feira de Santana e 155 Km, de Salvador. O município está em 4.921º lugar no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) entre as 5.564 cidades brasileiras. O IDH-M mede as condições de renda, longevidade e educação dos municípios.
Aos poucos, os trajetos das corridas foram aumentando até chegar aos 42 km e 195 metros da maratona, prova que a serra-pretense, radicada em Feira de Santana, disputará nas Olimpíadas do Rio. Uma façanha.
A família de Graciete se mudou para Feira de Santana quando ela tinha 7 anos. Dos 14 aos 17, ela trabalhava como empregada doméstica e babá pela manhã e estudava à tarde. Depois, para aumentar o salário, passava mais horas no serviço e transferiu o estudo para o turno da noite. Conseguiu concluir o ensino médio e virou professora. Dava aulas de reforço e alfabetizava jovens e adultos do programa AJA Bahia. Ficou nesta função até completar 24 anos.
Na adolescência, nunca pensou em praticar esporte, embora brincasse de vôlei e jogasse um “baba” (pelada) de vez em quando, com amigas e primos. Foi a piora na saúde que a levou à Associação dos Corredores Feirenses (Ascof). Pesava 48 quilos e, no máximo, conseguia se classificar entre os corredores de sua faixa etária, bem longe do pódio.
Nessa época, Graciete conheceu Domingos Carlos, treinador autodidata, que orientava grupos de corredores. Em sete meses, emagreceu 5 kg e melhorou o desempenho.
“Comecei a brigar pela classificação geral nas corridas”, lembra.
Em pouco tempo, ela e Domingos foram morar juntos.
PÓDIO
A atleta baiana disputou provas de 10 km e de 21 km e 97 metros (meia maratona) antes de chegar à prova mais longa do atletismo, em Londrina, em 2011.
“Eu estava inscrita entre o povão para poder concorrer à premiação por faixa etária. Na largada, a distância entre as atletas de elite e do povo era de 10 metros. A cada quilômetro que eu corria, eu gostava mais. Fui a campeã da prova”, conta Graciete.
Outros bons resultados vieram na sequência e o Cruzeiro passou a dar uma ajuda de custa para a maratonista, o suficiente para cobrir despesas com passagens para competições.
No final de 2011, Graciete Moreira foi morar em Aracaju (SE) para recuperar uma fratura provocada por stress. Cinco meses foram suficientes para sentir falta de Feira de Santana e voltar.
Em 2012, na maratona do Rio, o segundo melhor tempo de sua carreira: 2h42min. Terceiro lugar geral e primeiro entre as brasileiras. O terceiro melhor tempo 2h44min, foi obtido em Porto Alegre (segundo lugar geral e primeiro entre as brasileiras) e em Recife, onde foi campeã.
Sem patrocínio para compra de suplementos e para a alimentação, Graciete bancava os gastos com parte do dinheiro que ganhava competindo. Em nenhum momento, porém, pensou em deixar Feira. Um caso raro de atleta que atinge nível de elite, sem se mudar do estado.
“Sempre fui eu e ele (Domingos). Não tivemos ajuda”, desabafa.
Em 21 de fevereiro de 2016, na primeira e única prova internacional que disputou, em Sevilha, a maratonista sertaneja terminou a prova em 2h38min33s (12º lugar) e obteve o índice para as Olimpíadas do Rio, onde será a terceira representante do Brasil na prova. As outras serão Adriana Aparecida da Silva, paulista de Cruzeiro e bicampeã dos Jogos Pan-Americanos, e a alagoana radicada na Marily dos Santos.
PREPARAÇÃO OLÍMPICA
A preparação para os Jogos do Rio foi toda feita na “Princesinha do Sertão” — apelido dado a Feira de Santana por Ruy Barbosa, embora a cidade esteja localizada no agreste, região que separa a zona da mata e o sertão. De lá, Graciete só saia para competir.
Os treinos diários culminavam com corridas de até 34 km aos domingos. No restante da semana, Graciete trabalhou alongamento, trote leve, qualidade de “tiro” (velocidade em curta distância) e corridas moderadas de 22 a 24 km.
Na maior parte dos dias, ela treinou nas instalações do 25º Batalhão de Infantaria, no bairro 25 BI, onde mora. Chegava às 5h30 e saia às 8h. Escolheu esse horário para “pegar carona” com os corredores amadores que treinam ali e não treinar sozinha.
Após a classificação para a Rio 2016 ganhou apoio de empresas da cidade como o Pinguim do Sertão (loja de vitaminas e suplementos); do jornal Folha do Estado, organizador da Corrida de Feira; e do Moinho Tabajara. Ajuda inestimável também teve da nutricionista Marijara. Do Comitê Olímpico Brasileiro e da Federação Baiana de Atletismo recebeu informações sobre os adversários.
Seguindo planejamento feito por ela e pelo técnico e companheiro, Graciete irá para o Rio, na quinta-feira, às 7h23min, horário de embarque no aeroporto internacional de Salvador. Nesta quarta-feira, passará o dia entre o consultório da nutricionista, a sessão de Pilates, um trote leve e arrumando as malas. Chegará na cidade olímpica dez dias antes da prova. Se só dependesse dela viajaria uma semana depois.
Sobre a expectativa para a competição, Graciete Moreira diz que procura nem pensar nisso para “não bater ansiedade”. No Rio, a atleta ficara sob a supervisão do técnico contratado pela Confederação Brasileira de Atletismo. O companheiro Domingos só poderá visitá-la na Vila Olímpica e verá a competição da arquibancada.
O que levou a maratonista de Serra Preta, que se considera feirense pelo tempo em que mora na cidade, a chegar a uma Olimpíada?
“Foi mais a raça, força de vontade, amor à profissão. É como se eu dependesse de correr para sobreviver, para respirar. Se não correr, tenho medo de voltar a passar pelo que passei e de ver minha mãe desesperada por causa disso. Correr também é uma forma de eu retribuir o que ela fez por mim. Correr é paixão, muita paixão, não sei nem dizer a dimensão disso” -, define.
E acrescenta que Domingos sempre confiou em sua classificação para os Jogos. Até mais do que ela própria.